1. Introdução;
2. Qualidades dos seriados dos anos 80
2.1 – Tensão e enredo
2.2 Seriedade dos personagens
2.3. Lutas e conflitos
2.4 Músicas de fundo (Bgms) – ambientação
2.5 Flerte com o terror
3 – Coluna de análise de materiais que pertençam ao “tripé” por esta perspectiva
1. Introdução
Como eu disse no primeiro artigo, Trigger é uma atualização das ideias que surgiam em seriados de Tokusatsu.
Mas fica a questão: o que faz esses seriados, direcionados ao público infantil (eu mesmo vi quando criança nos anos 80) servirem de referência a um seriado de livros?
Apesar de eu ter falado sobre os gêneros que sustentam o tokusatsu no artigo do tripé, seria interessante explicar que aspectos dessas séries ainda me fascinam, mesmo adulto.
2. Qualidades dos seriados dos anos 80
As qualidades que consigo perceber nos seriados exibidos nos anos 80 são a tensão e dinamicidade dos enredos; personagens sérios, protagonistas e vilões; desenvolvimentos do conflito, na luta ou emocional; ambientação, em especial a música de fundo e flerte com o gênero do terror. Vamos abordá-las uma a uma.
2.1 – Tensão e enredo
Apesar do gênero ser voltado ao público infantil, as séries traziam forte carga de tensão e alto desenvolvimento de enredo.
Surgiam obstáculos quase intransponíveis aos heróis, para destruir os inimigos ou frustrar suas estratégias de conquista. Não raramente, o herói via-se obrigado a usar técnicas novas ou contar com tecnologias arriscadas e mal testadas para vencer.
O enredo de alguns dos episódios era desenvolvido de forma colocar os heróis em situações dignas dos melhores seriados de ação e suspense, fazendo parecer que seria aquela a ocasião de sua derrota, com alguns heróis chegando a serem mortos pelos vilões.
No seriado Maskman, por exemplo, o Robô Great Five foi colocado fora de combate por um monstro e a equipe precisa substituí-lo. O Chefe Sugata recorre a um robô construído por um cientista amigo dele.
Para controlar o robô, os integrantes precisavam alinhar suas energias aura, a força que lhes concedia seus poderes, à aura do próprio robô. No momento da fusão de auras, o Robô Galaxy está sentado de pernas cruzadas em posição de meditação. Nesse momento, cai uma fortíssima tempestade, que atinge o robô em cheio com raios. Não bastasse o ataque da natureza, que o líder Takeo diz ser a provação de Deus para o Robô, o monstro gigante os ataca, com o robô impossibilitado de mover-se e defender-se.
Após suportarem todo o ataque apenas meditando, com Takeo determinando aos colegas que permaneçam no robô até o fim, eles conseguem sincronizar as auras, fazendo o Robô Galaxy flutuar, controlando-o de forma plena para acabar com o monstro.
Outra trama emblemática é a do episódio da queda do satélite em Cybercops.
Neste episódio, a organização criminosa Destrap toma controle de um satélite e direciona seu curso para colidir com a cidade de Tóquio. Após o exército falhar em destruií-lo, os Cybercops, desesperados, parecem aguardar o fim, com Saturno comentando que não teria mais um encontro romântico com vista para a Torre de Tóquio. O comentário dá uma ideia a Júpiter: usar a torre como rampa, para alcançar o satélite com a moto Blade Liner e desviá-lo da cidade.
Com chance remotíssima de sucesso, para alcançar a Torre é necessária outra rampa, que os demais Cybercops vão “construir” derrubando uma ponte (não se preocupe leitor. Vai piorar). Chega para atrapalhar o androide Bende Harkos, armado de lâminas, que os demais Cybercops jogam no vão já aberto no viaduto e ele mesmo derruba a ponte.
Júpiter, em corrida acelerada, vai até a ponte e esmaga o Harkos contra ela, enquanto o monstro tentava erguer a estrutura para impedi-los de alcançar o satélite. Atravessando a ponte, usando a torre e chegando no satélite, o Cybercop desvia a rota e o faz cair no mar, explodindo-o.
Após a explosão, surge uma mensagem no computador. Takeda havia morrido. A alegria transforma-se em dor e os Cybercops choram a perda de seu mais forte integrante. O choro dura uns minutos. Júpiter ressurge vivo e explica aos amigos que a explosão danificou sua unidade Cyber, o que foi interpretado pelo computador como a morte do herói. Comemorando, os Cybercops não ouvem o Barão Kageyama os felicitar pelo ano que se aproxima, de forma muito serena, postura diferente da maioria dos vilões de tokusatsu, que estariam amaldiçoando os heróis.
Esse episódio é espetacular, para dizer o mínimo. Uma ameaça que parece impossível de ser resolvida pelos heróis e quando superam todas as chances e a neutralizam… há a aparente derrota na forma da morte do principal integrante da equipe. É um episódio que nos faz ficar grudados na cadeira e mostra o motivo de Cybercops ser uma série tão querida, mesmo que vacile nos efeitos especiais.
2.2 Seriedade dos personagens
Os protagonistas agiam com firmeza e autoridade. Quando os planos dos vilões afetavam pessoas ligadas aos heróis, em especial crianças, eles se enfureciam e davam um belo de um esporro nos vilões ou até aplicavam uma surra neles com muita vontade, isso quando não aconteciam os dois casos.
Muitas vezes, os heróis sofriam agressões extremas ou dificuldades quase intransponíveis e mantinham-se de pé, conseguindo juntar forças para vencer o vilão, as vezes em um último golpe.
Um exemplo , com um toque de bom humor, está no episódio Canção Fatal do seriado Changeman. Nele, o monstro Zonos ataca a Terra utilizando uma frequência explosiva e destruidora e ele só tem um ponto fraco: pessoas desafinadas. Para a sorte dos Changeman, o Change Pegasus, Ozora, é desafinado ao extremo e consegue paralisar o monstro. Com o monstro vulnerável, o herói aponta para ele e diz que vai defender a Terra com seu canto.
O monstro reage com seu ataque mais forte, a super onda destruidora. Pegasus diz: “Então é assim? Vocês pediram!” e começa a cantar uma versão horrível da cantiga “Atirei o pau no gato” para contrapor a onda sonora. Depois dessa cantoria toda, só precisou da arma final, a Power Bazooka, para fechar a conta.
Captura do canal do Youtube Tokusatsu TV. personagens pertencentes à Toei Company.
Para contrapor a imponência dos heróis, só o sadismo dos vilões.
Os vilões dessa época sabiam agir. Apesar de alguns planos serem ilógicos, como distribuir bens que certamente seriam inspecionados por autoridades e retirados de circulação, eles conseguiam ser cruéis e criar planos que eram superados por muito pouco pelos heróis.
Tinha de tudo: ameaçar crianças, tentar explodir o Japão abaixo, como no episódio de Jaspion, Golpe na TV; esvaziar o suprimento de combustíveis e até vender drogas a crianças como em Jiraya. Ou matar o herói, como fizeram Madogarbo com Jiban ou Shadow Moon em Rider Black. Muito inteligentes e cruéis, eram caracterizados por sadismo e covardia.
Por exemplo, Dokusai não era tão poderoso, suas lutas eram curtas quando Jiraya decidia enfrentá-lo com toda a força, mas era covarde ao extremo, criando, intrigas entre Jiraya e ninjas aliados fazendo-os voltarem-se uns contra os outros e não hesitava em usar qualquer tática suja.
Outra característica dos malvados era o prazer com que provocavam os heróis quando o plano estava dando certo, ainda que fosse por pouco tempo.
No episódio Revolta do Pequeno Ninja, do seriado Jiraya, Manabu, o irmão mais novo do protagonista, que sempre o mete em encrencas, foge de casa. Dormindo na rua, o menino sonha com todos os ninjas do Império em batalha e o vencedor é Kazenin Storm, ninja ciborgue, vestido todo de preto com um capacete de motoqueiro.
Após, o sonho, Manabu encontra Storm. Dokusai aproveita que Toha desconhece o paradeiro do irmão e cria uma farsa de que Storm teria raptado o menino. Furioso, Jiraya desafia Storm para uma luta. No meio da luta, surge Dokusai com um tanque armado com um canhão e diz que os dois são muito amigos e irão para o inferno juntos, soltando sua característica gargalhada.
Após ser quase atingido por alguns disparos, Storm se enfurece. O ninja cibernético sobe na moto, chamando o Dokusai de patife, com uma corrente de energia passando por seu corpo e avançando com disposição a dar ao vilão um dia muito desagradável.
A arma de sua moto acerta o tanque, mas Storm é atingido pelos explosivos e fere-se. Jiraya acode o amigo caído e destrói o canhão com sua espada, quebrando e dissolvendo a arma de Dokusai.
Captura do canal do Youtube Tokusatsu TV. Personagens pertencentes à Toei Company.
2.3. Lutas e conflitos
As lutas eram um diferencial Os tokusatsus sempre contaram com lutas, mesmo nos anos 60 e 70 ou anos 2000 para a frente, mas a época 80/90 foi a era de ouro, graças à JAC.
JAC significa Japan Action Club, uma escola para atores e dublês. Seus estudantes eram treinados em artes marciais e acrobacias. Alguns dos alunos tornaram-se nomes emblemáticos do gênero, como Kenji Ohba, interprete do primeiro metal hero, Gavan, além de outros personagens; Hiroshi Watari, interprete do sucessor de Gavan, Sharivan e de Boomerman e Spielvan; ou Hikaru Kurosaki, o famoso Jaspion.
Na JAC também eram treinados os “suit actors”, que utilizavam as roupas de combate dos personagens e costumavam diferir daqueles que os interpretavam em forma civil. Havia exceções honrosas como Junichi Haruta, o MacGaren, que usou o traje em algumas ocasiões.
Os dublês eram especialistas em artes marciais, o que tornava as lutas mais dinâmicas e emocionantes, e em acrobacias, o que permitia-lhes realizar piruetas e saltos com auxilio de equipamentos, fazendo jus ao impacto de ataques e explosões desferidos, provendo um belo componente visual às lutas.
Apesar de nem todos os gêneros do tripé apresentarem cenas de luta, possuem um elemento a ela inerente: o conflito. Quanto maior o conflito, maior o interesse na história e tensão gerada, podendo o conflito dar-se entre protagonista e adversários sapientes ou situações adversas. Um bom conflito, mesmo situacional, deixa o espectador grudado na história.
2.4 Músicas de fundo (Bgms) – ambientação
BGM é a abreviatura da expressão em inglês Background Music, a música de fundo. São músicas instrumentais em tons variados que, em grande parte, são responsáveis pelo tom da cena.
Assistam a cena abaixo do episódio de Jaspion no canal do Youtube TOKUSATSUTV (https://youtu.be/cWL-MgjO79Y?t=800); quando o Jaspion sai para combater o monstro com a música de fundo e depois assistam sem o som ou com o som reduzido. A diferença é abissal. A música cria um clima de tensão e deixa claro que a segunda luta será muito mais complicada que a primeira.
Nos seriados japoneses, a música é um elemento essencial da ambientação, rimando seu ritmo com o desenvolvimento das cenas. Outros elementos que ajudam na construção dessa ambientação são o figurino, descrições ou construção de mundo em ficção científica
2.5 Flerte com o terror
Os seriados dos anos 70 aos 90 contavam com muitos elementos de terror…Fantasmas, zumbis, aparições, monstros demoníacos. Em várias situações, havia uma atmosfera macabra, criada por jogos de luz e sombras ou trilha sonora mais grave.
Bruxa Kilza, Giluke Fantasma, monstro espiritual do Jiban, Leider em Sharivan, inimigos que utilizavam de artífices macabros e cruéis. Leider fazia Sharivan ver a si mesmo como seu próprio esqueleto ou enfrentar seu próprio cadáver no espaço de combate dos vilões, o Mundo da Alucinação.
O terror nos seriados japoneses será objeto de um artigo específico no futuro.
3 – Coluna de análise de materiais que pertençam ao “tripé” por esta perspectiva
Por estes parâmetros, pretendo analisar filmes, livros, contos, séries (gerais e tokusatus que sejam exibidos em plataformas de stream) e jogos de videogame que se encaixem em um ou mais gêneros do tripé e aquela pitada de terror que mencionei, avaliando pelo viés apresentado agora.
Pretendo fazer uma análise de meus episódios preferidos dos tokusatsu que estão sendo exibidos pela Rede Bandeirantes de Televisão (Changeman, Jaspion e Jiraya), falando desses aspectos, porém sem indicar as seções, para não parecer didático demais. Farei a analise dos materiais por este prisma: como é explorada e criada a tensão; o nível da trama; o desenvolvimento dos protagonistas, heróis e vilões; o confronto (ou lutas quando presentes), a ambientação e a música e o eventual clima macabro.
Também pretendo comentar nos produtos fora do gênero Tokusatsu que elementos podiam ser trazidos a este gênero, para tornar as tramas mais dinâmicas.
Quanto aos Tokusatsus pretendo analisar os que são exibidos na Bandeirantes e posteriormente, os exibidos no Amazon Prime, como Ultraman Orb, Amazon Riders e Garo. Depois pretendo avaliar os que sejam exibidos em plataformas de stream disponíveis no Brasil.